Traficantes do bando de Nem da Rocinha param motoristas para controlar quem passa pela Estrada da Gávea

Fonte: O Globo

RIO - Traficantes da Rocinha têm feito blitzes, até mesmo à luz do dia, para monitorar quem passa pela Estrada da Gávea, via que liga a Gávea a São Conrado e corta a favela. Em diferentes pontos da estrada, bandidos armados com fuzis pararam, nos últimos meses, três amigos da presidente da Associação de Moradores do Leblon, Evelyn Rosenzweig. Em todos os casos, queriam, além de afrontar o direito de ir e vir, averiguar quem estava dentro do veículo. Depois de verificar que eram moradores, e não policiais ou inimigos, deixavam o carro seguir em frente e, por cortesia, ainda diziam que iriam avisar pelo rádio os traficantes de duas barreiras seguintes para deixá-los passar sem incômodo.

- Na última quarta-feira, um amigo passava pela estrada, pouco depois da Escola Americana, a caminho da Barra, por volta das 18h, quando foi parado por um homem com fuzil. Ele foi educado, perguntou: 'Tá indo para onde, doutor?'. Meu amigo respondeu que iria para a Barra e que estava atrasado para ver um jogo. O bandido disse para ele não andar por ali porque era perigoso e avisou que passaria um rádio para que ele fosse liberado em duas outras barreiras - contou Evelyn.


Há dois meses, um profissional liberal viveu a mesma situação. Ele conta que, ao passar pela Estrada da Gávea por volta das 23h30m - horário em que costuma evitar a via -, foi surpreendido por dois bandidos portando fuzis, que ordenaram que ele parasse.

- Abaixei o vidro, eles viram que estava sozinho e me liberaram. Mas recomendaram que eu ficasse com a janela aberta, já que meu carro tem película escura. Me deram boa-noite e disseram que teria outra blitz, mas não encontrei mais nada no caminho - contou a vítima, que teme se identificar porque, por motivos profissionais, costuma passar pelo local.

Segundo pessoas que passam pela via com frequência, há duas regras para atravessar a Estrada da Gávea sem ser parado por bandidos: circular sempre com as janelas do carro abertas e, no caso de motociclistas, transitar sem capacete ou com o visor levantado para que o rosto fique sempre visível.

Sociólogo diz que blitzes no local são surpreendentes

O sociólogo Ignácio Cano, da Uerj, disse na terça-feira que não é surpresa que muitas comunidades estejam sob domínio do tráfico, mas ficou surpreso com a ousadia dos bandidos da Rocinha:

- É claro que há muitas áreas que o estado ainda não recuperou das mãos dos bandidos. Mas é surpreendente que ajam desta forma na Estrada da Gávea, que tem muito movimento - disse Cano.

Em nota, a PM informou que determinará a imediata apuração dos fatos pelo setor de inteligência e planejará operações no local. A corporação acrescentou, no entanto, que ações na favela devem ser bem planejadas para "evitar transtornos" e que a Rocinha está no cronograma de implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).