quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Traficantes da Rocinha expulsam moradores do Vidigal para se esconder da polícia e fugir para a mata

Fonte: O Globo

RIO - Eram 23h de terça-feira quando X., moradora do Morro do Vidigal, em São Conrado, acordou com seis traficantes armados com fuzis ao lado de sua cama. Depois de um dia cansativo de trabalho, ela não conseguia acreditar no que estava acontecendo em seu quarto, preocupada com os filhos no cômodo ao lado, até que um dos traficantes gritou: "Tia, sai fora e procura outro lugar para dormir, porque a gente tá precisando da casa. Depois você volta".

A história de X. é semelhante às de outras 11 famílias que foram expulsas da comunidade, vizinha à Favela da Rocinha, porque os bandidos escolheram suas casas para se esconder da polícia ou para usá-las como passagem para a mata. Traficantes do Vidigal estão dando apoio a criminosos da Rocinha nos dias que antecedem a implantação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na região.

Há ainda casos em que os traficantes ordenam que os moradores do Vidigal saiam de suas casas por desconfiarem que eles sejam informantes da polícia.

- Tive que sair correndo do morro com meus filhos pequenos, só com a roupa do corpo e minha bolsa com os documentos. Tentei pegar depois o uniforme e a mochila das crianças, mas a minha casa estava trancada com cadeado. Tenho medo de perder a minha casa e as minhas coisas. É tudo o que tenho na vida, além dos meus filhos - lamentou X.

Moradores do Vidigal contam ainda que, depois que a notícia sobre a instalação de uma UPP na favela se espalhou, os traficantes passaram a hostilizar quem vive por lá.

- Apesar do negócio deles (drogas), eles não se metiam com a gente. Agora não sei o que vou fazer da minha vida. As crianças perderam aulas, e nem para as atividades da comunidade elas foram hoje (quarta-feira). O pior é que está chegando a época das provas. Tivemos que sair da favela e não sei o que vamos fazer. Tenho fé em Deus que, depois dessa bagunça, as coisas melhorem no Vidigal - disse X.

Y., outro morador expulso do morro, contou que, desde a última sexta-feira, não tem sossego na comunidade.

- Eles entram na minha casa a qualquer hora do dia. Os bandidos nos obrigaram a respeitar até um toque de recolher. O clima está muito pesado. Os traficantes dizem que sabemos demais e que temos que ser monitorados. A cada passo que a gente dê, tem um olheiro deles - desabafou Y.

Traficantes controlam até telefonemas de moradores

Segundo Y., os bandidos invadem as casas e vasculham até os celulares para ver os números discados pelos moradores.

- Já fizeram isso comigo várias vezes desde sexta-feira. As pessoas têm até medo de fazer ligação de telefone fixo ou orelhão, porque está tudo grampeado. Não vemos a hora de voltar para casa e ter uma vida digna - contou Y.

A Associação de Moradores do Vidigal distribuiu cestas básicas para as 11 famílias expulsas pelos bandidos. O presidente da associação, José Valdir, o Zé do Rádio, confirmou que foi procurado por algumas famílias, mas não quis dar detalhes sobre a situação dos moradores. No ano passado, ele próprio chegou a ser expulso por traficantes do Vidigal que, segundo ele, queriam a presidência à força.

Assim como a milícia, tráfico cobra taxas

Os preços extorsivos cobrados dos moradores por traficantes da Rocinha e do Vidigal são uma prática comum de milicianos. Algumas vítimas contam que o tráfico cobra taxas de quem explora transporte alternativo, serviço de mototáxis, venda de gás e até a distribuição de água. Segundo um morador do Vidigal, ele entrega ao tráfico R$ 130 todo mês: R$ 55 pelo botijão de gás, R$ 50 pelo "gatonet" e R$ 25 pela água.

- Eles chegam a distribuir um carnê para a cobrança da água - contou o morador A., há mais de dez anos na região.

Uma pessoa que foi expulsa esta semana do Vidigal contou que, certa vez, ela comprou um botijão de gás em outro lugar e recebeu ameaças do tráfico:

- Não temos direito de escolha. Eles nos intimidam o tempo todo. Querem ganhar sempre. Só temos que obedecer.

Vizinhos da Rocinha torcem pelo fim dos tiros

Por medo ou descrença, poucos comentam a ocupação anunciada para domingo. Mas pelo menos uma coisa os vizinhos da Rocinha, em São Conrado, esperam: o fim dos intensos tiroteios, que muitas vezes deixam os moradores ilhados e sem dormir. A aposta é em dias melhores.

- Acho que vai melhorar a longo prazo. Vamos aguardar - acredita o gerente de um posto de gasolina próximo, que pediu para não ser identificado.

A aposentada Maria Bezerra, de 75 anos, mora em São Conrado há 30 e ainda não acredita na pacificação:

- No Alemão, apesar de a polícia dizer que está ocupado, volta e meia a gente vê na televisão que ainda há muitos bandidos. Aqui, deve ser a mesma coisa.

Um comerciante, que também não se identificou, acredita que a pacificação trará novos consumidores para o bairro:

- A nossa expectativa é a melhor possível. A pacificação (da Rocinha) é um processo para a cidade do Rio de Janeiro como um todo, ainda mais com os grandes eventos que virão. É um processo benéfico para o comércio, para o morador, para quem quer investir na cidade. Acho que São Conrado vai ter um crescimento, uma valorização grande, e isso atrai consumidores, que vão acabar vindo de outros bairros sem medo.

Morador de São Conrado, o professor Gustavo Nunes, de 53 anos, comemora a chegada da UPP e acredita que a pacificação vai abrir caminho para os moradores:

- Em dias de operação policial, eu não saía de casa com medo de bala perdida. Espero que, com a pacificação, isso acabe de vez - acredita o professor. - Uma vez tive que cancelar um almoço na minha casa por causa de tiroteios na favela (da Rocinha).

Cerco aos bandidos começou com revistas

Policiais do Batalhão de Choque da PM realizaram até as 8h de quarta-feira uma operação de revista nos acessos à Favela da Rocinha. Cerca de 50 policiais, em 12 patrulhas, se fixaram em dois pontos (na saída da Rua 1 e na Estrada da Gávea) e começaram a revistar vans e outros veículos. Segundo o serviço reservado do batalhão, o objetivo era impedir a fuga de bandidos, incluindo Antônio Bonfim Lopes, o Nem, chefe do tráfico na Rocinha. Não houve presos.

Duas escolas que atendem crianças da comunidade tiveram as aulas suspensas na quarta-feira, mas, nesse caso, segundo a Secretaria municipal de Educação, já estava planejado em função de um treinamento dos professores no Centro de Cidadania Rinaldo de Lamare, na Autoestrada Lagoa-Barra. As duas creches municipais da Rocinha funcionaram normalmente.

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